Porque é aqui que há de nascer
e gerar frutos a minha e a sua eterna
ignorância. Aqui que há de encontrar a
vitalidade e o sustento máximo para a
sua loucura. Aqui vive, agoniza, mas não
morre o nosso egoísmo e a nossa faceta
que imprime necessidades.
Três vivas e saudações ao seu umbigo.

quinta-feira, maio 17, 2007


Encomenda

E de repente alguém vai dizer que aqui é o fim da linha.
Vai dizer pra não dar um passo adiante. Tampouco dois para trás.
Deve dizer um “continue andando” de doer na alma.
Vai dizer que o que tinha de fazer, feito está. E um “não olha para trás” deve fechar tudo.
E deve ser quando a vida acaba.
Um alguém deve vir te avisar disso. Num dia ou noutro tudo pode ser confuso e muito distante. Muito conciso. Muito excitante.
E diz que o que você viveu passa feito filme, com você na primeira fila, de convidado de honra, assistindo a tudo que deveria ter feito; tudo o que se orgulha e tudo o que pode te fazer fechar os olhos e tapar os ouvidos.
Começa na barriga da mãe, nas primeiras manhas, nas primeiras palavras, nos primeiros arranhões, nos amores maiores e nas decepções.
Deve mostrar o primeiro beijo. O primeiro sexo.
Deve mostrar as verdades e todo o crescimento que vez e outra a vida lhe impôs e você não aderiu. Devem ter horas das vezes em que você chorou. Horas das vezes em que se preocupou e de nada isso adiantou.
Devem ser muitos os nós que você chamava insolúveis que foram desatados quando simplesmente você soltou os fios.
Deve ter o dia em que decidiu se jogar na vida. Ou de repente jogar fora a vida.
Devem ser muitas as vezes em que se descartou um dia lindo. Em que perdeu de ver o sol nascer. Ou ele se pôr. Ou tomar banho de chuva. Ou ver um arco-íris. E desenhar com as nuvens.
Devem ter brigas e incontestáveis sentimentos errôneos nas entrelinhas.
Há de ter teus sonhos realizados e as promessas de conseguir outras vitórias a mais.
Devem ter vezes em que calou um sentimento. E outras em que escancarou e se arrependeu. Ou se confundiu. Ou nem se lembra mais.
E quantas vezes você deixou de se olhar no espelho. Odiou sua forma física e fez disso o seu humor cotidiano. Você soube sem dúvida, como declarar guerra a si próprio sem permitir o direito da trégua. Bem pouco a paz.
Três ou quatro partes hão de mostrar como você não sabia do tempo. Entendia de pressa e hoje almeja o atraso.
Como custou aos teus braços a desaprender do abraço. E tão mais deve ter doído para reaprender do amasso.
Deve ter a hora em que você faz um balanço de si mesmo. Você pode se orgulhar disso.
Você pode se arrepender de ter sequer parado pra pensar.
E engraçado vai ser quando assistir aos teus deslizes. Às tuas promessas não cumpridas. Às tuas justificativas que até teu cachorro desconfiava. À pequenez das tuas mentiras e sem sombra de dúvida, à grandiosidade áurea da tua humildade.
Os teus filhos e se nessa história alguém soube ser generoso, você deve ter tido uma porção de netos.
Até aparecer você. Na primeira fila. Como convidado de honra. E as letrinhas.
Você deve ser convidado a sair. E devem te colocar pra andar numa estrada estreita. Com uma meia dúzia de pedregulho. Um tanto agradável. Um tanto florida. Ensolarada e creio eu longa o suficiente para te ensinar uma única vez o que é que não tem fim.