sábado, fevereiro 25, 2006
E serpentina
Devo falar aqui, pela primeira vez, algo em primeira pessoa que condiz com um acontecimento. E farei isso como um manifesto, uma incompreensão ou um grande sentimento da desumanidade em que vivo. Não estou em Sorocaba, estou na praia e pela primeira vez em cinco anos que frequento este lugar, eu fui roubada. Estávamos eu e a mamãe, paradas, aguardando o semáforo fechar para que atravessássemos a avenida. Este foi o tempo suficiente para que três guris nos abordassem. Eu confesso que não entendi o que estava acontecendo apesar de ter sido pega pelo pescoço e ter tomado umas unhadas. Mantive-me fria. Mas a mamãe não. Tinha nos olhos dela um ódio tão grande, mas tão grande por estarem me machucando, que ela reagiu e pulou em cima do que me prendia. Bastou essa reação e o segundo deu um murro na boca do único motivo que faria meu sangue ferver e não corresponder a qualquer atitude sensata. Um homem grande deu um murro na mamãe. Eu também reagi. Reagi com a raiva que pensei nunca caber em mim. Reagi com as unhas até sangrar o desgraçado. Foi assim até eu cair no chão. Cair na faixa de pedestre da avenida mais movimentada desta praia paulista. Exatamente no ponto ótimo para ser aplaudida. Eu estava no chão, o guri me chutava e ninguém fez nada. Todos os carros, todas as pessoas e nenhum homem teve testosterona suficiente para me defender. Assim foi até algum deles correr com a bolsa e um carro fechá-lo na calçada. Enfim, não levou a bolsa. Deixou-nos os trocados, um celular, um livro, minha costela sangrando, minha perna roxa, a mamãe marcada, um pouco de pele embaixo das nossas unhas e a vergonha incoerente da obrigação de reagir a uma violência tão covarde. A vergonha do tão brasileiro e só. A minha salva de palma à frieza dos homens de família que não quiseram arriscar a própria vida por duas guriazinhas. Eu arrisquei a minha na mesma intensidade que a minha mãe daria a dela pelo meu pescoço. Meu muito obrigada ao senhor do carro e ao papai do céu por não ter nada cortante na mão daqueles infelizes e desgraçados de vida. Meu muito obrigada à mamãe, à sorte e ao papai por ser o meu conforto e por isso, a única coisa que eu queria depois que tudo terminou. Que o meu desejo de políciamento seja superado pela esperança de que isso tudo, um dia, acaba.
|