sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Ante
É como se eu virasse a página. Amassasse outra vez um pedaço de alguém que me falha a memória e não sei descrever. O tempo todo é assim. É como se eu vagasse por mim. Reescrevesse noutra parte o desfecho duma história que não sei conhecer. O texto todo sem fim. Sem laço nenhum. Ai de mim e dessa escrita feita em nós. De mim e da sonolência conturbada por meia dúzia de pensamentos esquecidos e toda a dúzia de sonhos perturbados. Ah se alguma linha me puxasse ao chão. Ah se um ponto me desse a imensidão do céu. E o nojo dessa mediocridade. Quero o ápice que em algum lugar o meu sangue ainda se lembra esquentar. Ou de vez, congelar e congelar e congelar. Quero a frouxidão de todo romantismo para apagar a dureza desse mendigo realismo abandonado por mim mesma. Desata meus nós, oh coração de um alguém. Preciso da insanidade e do desconsolo e de um bom médico para um parto complicado. Do cheiro e do enjôo das métricas tingidas de louras. Quero a gordura do exagero ensebando a mania estúpida dos meus ensaios. A nudez. Ah, a nudez! Quero um belo par de seios cedendo lugar às minhas cruéis idealizações. Uma virgem palavra juvenil caberia confortavelmente nesse vocabulário quase vulgar de tanto repeteco. Um velho ritmo e sua cortesã pausa. Quero de volta o cenário clássico me arrebentando as entranhas que insisti por demais em segurar. Quero a morbidez ou qualquer tristeza mínima se assim me exige a deusa. Qualquer coisa. Qualquer coisa que me traga a consciência de uma leveza. Quero rasgar essa roupa encardida de desajustes e vestir um corpete que me sugue esse ar quase pouco. Se vago. Mata-me em asfixia. Sê vácuo e rende-me sinestesia.
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