quinta-feira, outubro 27, 2005
Da polpa
Eu não sei o que foi aquele beijo. Não sei o porquê das batidas na sua porta. Eu tinha meio caminho andado e resolvi voltar. Fui eu quem lhe cobrou saliva, eu sei. Eu que lhe disse “vem”, ou então “eu vou”. Fui eu quem foi. Quem lhe obrigou e lhe condenou à uma paixão faminta. Fui eu quem lhe mordeu o lábio, lhe arrancou a camisa, e lhe prendeu num braço pouco casto e pouco sofrido. Eu quem lhe soprou arrepios e apalpou seus seios sem querer e sem pedir. E você não sabe o que havia nos seus olhos. Era tanta história, era tanto desejo e tanta repulsa que por instante pequeno, antes da minha boca na sua, eu pensei em desistir. Você não sabe da vivência surda dos seus olhos. E agora, o que me sobra é a medida certa da sua face. Do mesmo seio e do seu pescoço. Um palmo alongado, um palmo miúdo e um palmo encaixado. Como se você coubesse, inteirinha ou aos pedaços, em todo o palmo que minha palma quiser saudar. Em todo sufoco que, esmagada, eu puder segurar. Não sei dos desencontros nem dos caminhos pontilhados, sei que fui eu quem coloriu de neon a sua trilha, como se fosse eu sua única chegada ou o seu ponto de partida. Perdoa, menina. Perdoa a sua vontade singela de me engolir, me consumir e não me perder. Ela toda, fui eu quem lhe cravou. Perdoa a tentação de quase me amar. De quase me ter. De quase me amarrar. Perdoa o jeito bruto com que arranquei seus cabelos, desmanchei sua roupa e suei seus lençóis. Perdoa a sujeira que derrubei no seu corredor e no seu ocorrido. Você não sabe dos seus olhos, mas eu sei do seu temor. Eu não sei o que foi aquele beijo, mas deve ser assim as chaves na sua porta.
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