segunda-feira, outubro 04, 2004
E que um dia isso tudo seja consumado
Eu não sei se você sabe do que eu sei ou se sei do que você sabe.
Bem na verdade, eu só não sei se você me entende. Certamente você não me entende.
É como se você saísse de casa com aquela sensaçãozinha de que esqueceu alguma coisa. Ou então como se dormisse pensando "amanhã eu tenho que fazer...".
É a pior inquietude que eu já conheci.
Você pode tentar estudar. Pode fugir pra qualquer Chico. Pode detestavelmente telefonar àquele seu amigo que não pára de falar, ou se a coisa tomar certas proporções, você pode apertar o botão da novela.
E nada. Nada, nada, nada.
Assim, acho que exatamente assim é que acontece comigo quando eu páro de escrever.
Eu entro num ócio e num desespero tão grande que uma embalagem de pão Pullman parece ser um tema absolutamente agradável para escrever.
"Não jogue o lixo nas ruas"
"60 kcal por fatia"
-Sessenta, caramba.
"Agradecemos a preferência"
-Só era o mais barato. Rá.
E até "Receita de torradinhas de Beterraba" me coçam as mãos.
E o cérebro.
Chega a ser irritante a quantidade de anotações que eu acredito vingar, mas nunca viram nada decente. Nada publicável. Nada impessoal.
Quase tão íntimo como a marca da calcinha preferida, do chiclete mais comprado, do absorvente mais seguro ou do jeans de etiqueta arrancada -pra você poder jurar que veste 36. Quase tão íntimo como os meus sentimentos. Os meus sentimentos sentimentalóides. Nada venenoso, nada amargo ou crítico, nada que precise de opinião, de posição ou de concordância bem feita. São só eles. Bem pequeninos, bem simples, bem menininha.
E aí, eu escrevo. E tento fingir que nada daquilo é meu. Crio personagens tão bons, tão reais e tão imaginários, que qualquer pessoa que leia o texto falaria "Ahá! É você". E não publico.
Não dá.
Mas ainda fica coçando a sujerinha mal lavada do banho rápido e frustrado de NÃO ESCREVER.
Se você também é doente assim, honey, aposto que deveríamos sair por aí, conversar, sentar naquele café, sentar naquele bar, sentar naquela sombra e chegar a uma conclusão racional, lógica e coerente. Se você sonha em escrever e escrever e viver de escrever, e cansar de escrever...Ou ainda, se tem ou busca uma profissão para esconder o seu desejo romântico e impossível de ser o que você sabe que não será nunca...Vem cá, senta aqui oh, que eu releio o que você dita e você relê o tudo que eu falo.
Porque me perguntaram onde é que eu busco as idéias.
Não busco, e isso é que é difícil de aceitar. Ou de entender.
Elas aparecem. Aparecem e pedem destaque, anúncio, comemoração. E ai de mim se fingir que são só mais umas fracassadas. É como se roubassem a cena. Como se fossem o espírito ruim do caboclo. E eu não preciso ficar quietinha esperando a concentração do pai-de-santo.
Insaites. Falaram que é isso.
Eu tenho necessidade da junção das letras. Eu preciso reformular o parágrafo.
Já tentei viver deixando apodrecer tudo o que nascia e morria aqui dentro. Simplesmente o cheiro ruim me afastou do mundo e quase que me tomei cadáver.
Tem gente que gosta de falar. Tem gente que gosta de inventar. Tem gente que vive de viver, e esse é o meu maior medo. Porque se existe alguma coisa que me obriga a alimentar cada dia de uma nova idéia e cada plano de um novo ideal, é acreditar que sou eu a sua única idealizadora.
Se vício é fraqueza ou se a fraqueza é o maior dos vícios do homem; que seja eu macho o suficiente de depender de um sonho para encarar a realidade.
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