segunda-feira, dezembro 16, 2002

Aí oh.
Eu ganhei um filho.
Um filhinho.
Um bebê saudável, gorducho, de olhos azuis e cabelos cacheados. Cachinhos do meu bem.
Um filho caramba. Quem não quer um filho.
Dezesseis anos e um filho. Be-le-za.
Aborto. Não se pode abortar porque a nossa sociedade é politicamente correta.
Santa e cristã.
Tá aí oh: eu estou ferrada o resto da minha vida por uma gravidez inesperada.
Santa ignorância.
E eu vou ser uma semi-estudante, semi-feliz, semi-bonita, semi-casada, semi-responsável porque eu sou totalmente grávida.

Eu não estou grávida.
Sortuda castidade.
.
.
.
E a menininha foi ''estrupada''. Ela disse uma porção de vezes que fora ''estrupada''.
Estuprada pobrezinha de doze anos.
Estrupada, porque mandaram-na dizer.
E ferrada também.
Pobre. E pobre além de tudo.
Ela está grávida.
Maldita inocência.
.
.
.
Vamos pôr no mundo criancinhas mal educadas, mal criadas, mal amadas. Vamos. Vamos.
Porque é pecado matar.
É Pecado entendeu?
Entenda, matar um zigoto é pecado. Destratar uma criança é normal. Aqui é normal.


Eu só quero expressar a minha indignação.
A menininha não vai poder abortar caramba.
E se eu estivesse grávida também não o faria.
Impedem os olhos de ver para dar espaço ao coração, num sonho lindo de criar um bebê.
Um bebê num mundo que não pede mais seres quadrúpedes, bípedes, pensantes ou não. Num mundo que se estabilizada a família, a criança sofre um pouquinho menos, ainda que esperada e desejada. Sofre, sim sofre.
Não cabe nessa cabeça minúscula minha, uma criança surpresa tendo necessidades suprimidas.
Não, não, não, não.
E num mundo que declara ilegal a liberdade de dar a um futuro sofredor o alívio de safar-se dessa loucura populosa.
Difícil ver as nossas precárias condições de habitat.
Mais fácil é pregar o conformismo.... Dó de tirar a vida do feto.

Dó.

Aborto realmente é um assunto particular. De idéias chocantes.
Impacto. Eu sei que causa um enorme impacto.

Mas eu vi a menininha chorando porque fora estuprada, num canal aí, não sei qual.
E deu uma dorzinha aqui, parecida àquelas de agulhadas.
E uma lágrima minha um tanto tímida...

Dó.

Uma vida pela frente interrompida por outra nova, e as duas tendo de ser levadas ''com a barriga''.
Com a Barriga.
No meio a meio.
Céus.

Eu só queria brigar com alguém.
Xingar, xingar e xingar.
Ou mostrar que eu estou irritada, inconfomada.
Decepcionada.


(...)Enfermarias e UTIs pediátricas estão sem vagas (...)
Tem mais aqui.


Meu Brasil brasileiro.